Estrutura do Capítulo 8
O capítulo 8 do livro de Josué divide-se em seis seções principais: vv. 1-2; vv. 3-9; vv. 10-17; vv.18-23; vv. 24-29; vv.30-35. Estas unidades designam-se como:
(1) vv. 1,2: O líder encorajado
(2) vv. 3-9: Preparativos e estratégias de Israel
(3) vv. 10-17: Início da batalha contra Ai
(4) vv. 18-23: Yahweh vence a cidade de Ai
(5) vv. 24-29: Síntese da vitória contra Ai
(6) vv. 30-35: Adoração e leitura da Lei
Comentário
1. O líder encorajado (vv.1,2)O frio soturno da morte de Acã ainda não se dissipara completamente, quando o Senhor interrompe a melancolia lúgubre que assolava as tribos de Israel. O hálito gélido do pecado e da morte sentia-se em cada lar israelita. A ira divina clamava pela exterminação do pecado e reparação do mal (7.25,26).
Todavia, o inverno que assolou o povo não fora mais forte do que o hálito de vida de Yahweh (Gn 2.7): “Disse o Senhor” (v.1). Embora o hebraico empregue inúmeras vezes o termo dābar (falar; dizer), neste contexto, usa o sinônimo ’ āmar, empregado dez vezes nos atos criativos do hexámeron (a obra dos seis dias) em Gênesis: “E disse Deus”.
Não há melhor alento do que ouvir a voz de Deus quando tudo parece instável e triste. No livro de Gênesis, “Deus disse: haja” e tudo se fez conforme o beneplácito divino. O que não era tornou-se. ‘Ēlohîm “chama as coisas que não são como se já fossem” (Rm 4.17). Diferente de Adão, que se escondeu ao ouvir “a voz do Senhor Deus” (Gn 3.8), Josué põe-se impoluto e servil diante da presença do Senhor. A mesma voz que despedaça “os cedros do Líbano” e “faz tremer o deserto” (Sl 29) é a mesma que traz refrigério no rubro das circunstâncias. “Não temas e não te espantes” (v.1).
É muito fácil apavora-se depois de uma vergonhosa e humilhante derrota. Não é assim que costumamos nos sentir quando tudo ao nosso redor desmorona? Quando os fundamentos de nossos projetos não resistem aos ataques intempestivos das vicissitudes? Mas eis que do horizonte de nossos fracassos surge a melífera voz do Senhor encorajando-nos, dizendo: “Não temas e não te espantes”. A mesma voz que estremeceu os fortíssimos cedros do Líbano, e a mesma que trouxe à existência as coisas que não existem.
Eis o caos e a escuridão que se assentam sobre a terra “informe e vazia” (Gn 1.1,), mas o mélico som celeste está pronto, qual a mais linda de todas as sinfonias, a dar vida, luz e calor ao caos. Um “disse Deus”, e o caos torna-se o mais lindo de todos os jardins; um outro “e disse Deus”, e a orquestra da vida emite o som da criação; um seguinte “e disse Deus” e Josué tem sua estrutura remexida pela voz daquele que triunfa sobre o caos. O que é este caos se não aquilo que o próprio símbolo significa “desordem”, “confusão”. Não era esta a situação de Israel no capítulo 7 ? Sim o era. Mas assim como o Senhor Todo-Poderoso triunfara sobre o panteão dos deuses mesopotâmicos na criação, assim também o fez sobre o fracasso de Israel na conquista da cidade de Ai. A cidade de Ai, no original, hā ‘āy, “as ruínas”, experimentaria a visitação do Senhor. Ó inaudito dia em que o Senhor visitou-nos, transformando nossa pequenina e resistente Ai em “Porta da Esperança”.
Uma vez encorajado e animado o líder, é o momento de incentivá-lo à conquista: “Toma contigo toda a gente de guerra, e levanta-te, e sobe a Ai; olha que te tenho dado na tua mão o rei de Ai, e o seu povo, e a sua cidade, e a sua terra”. O resultado dessa semântica motivacional encontra-se no versículo 3: “Então Josué levantou-se”. O encorajamento precedeu a ação. É fácil recuar depois de uma derrota. É difícil prosseguir depois que perdemos à motivação e à coragem (7.7). Retornar à guerra depois de um fracasso vexatório não é fácil, mas ficar estagnado enquanto o inimigo celebra a vitória não agrada ao Senhor. Afinal de contas, na mentalidade primitiva, a guerra era decidida não pelos homens, mas pelos deuses. A vitória não exaltava apenas os deuses dos campeões, mas humilhava também as divindades dos perdedores. O próprio Senhor mostraria aos sacerdotes de Ai que, Ele, sim, somente Ele é o único e verdadeiro Senhor. Não há Deus como o nosso Deus.
Todavia, Josué precisava de uma garantia, de uma promessa que lhe garantisse o sucesso na batalha. O Senhor lhe diz: “tenho te dado na tua mão o rei de Ai, e o seu povo, e a sua cidade, e a sua terra”. As promessas do Senhor são infalíveis. Contudo, é necessário que Josué, o líder, e o povo, os liderados, obedeçam a lei acerca do anátema (v.2). Deus pretende ensinar ao líder que, embora haja uma promessa a seu respeito, é necessário que ele seja submisso ao mandato e interdito divino. Na última vez, o líder manteve-se fiel, mas o povo não. Desta, o Altíssimo exige fidelidade absoluta. Apesar de termos recebido da parte do Senhor gloriosas promessas, não estamos isentos de cumprir os santos mandamentos divinos. As promessas representam a misericórdia do Senhor, mas os mandamentos o seu caráter santo. Quem deseja as preciosas promessas de Yahweh, deve almejar com a mesma intensidade Sua santidade - o Abençoador no lugar da bênção.
2. Preparativos e estratégias de Israel e Início da batalha contra Ai (vv. 3-17)Receber uma promessa célica significa marchar à frente das vicissitudes. A promessa divina se fez acompanhar de alguns imperativos categóricos: marche, lute, vença! Josué, de ânimo renovado, incentiva os liderados à guerra, dando-lhes instruções a respeito do ataque. Ser comandado por um líder temente a Deus é uma preciosa dádiva cada vez mais rara na pós-modernidade. Esta nossa época possui o indesejado carisma de macular as virtudes teologais dos líderes cristãos. Infelizmente, como afirmou certo pensador cristão, muitos estão à procura de medalhas, mas não de cicatrizes. Josué, no entanto, estava decidido a enfrentar os imprevistos lances juntamente com a infantaria. Levantou-se de madrugada, contou o povo e todos subiram contra a cidade de Ai (v.10). Quase podemos ouvir o crepitar da madeira seca sendo esmagada pelos pés dos soldados. Toda “gente de guerra estava com ele” (v.11). O exército não estava sem o seu líder. Muito pelo contrário, a fé daquele líder, forjado na escola da submissão a Deus e ao seu antecessor , Moisés, irradiava sobre o exército como a aurora que incandescia a rústica paisagem daquele cenário de guerra. O vale que ficara entre Ai e o exército era paulatinamente iluminado. Os insetos crepusculares escondiam-se como se soubessem que o vale se tornaria tinto (v.11). Josué seleciona “alguns cinco mil homens”, pondo-os entre “Betel e Ai” (v.12). Aqui está o verdadeiro Getsêmani de nossa contemporaneidade. Eis, diante de nós, o lugar da tentação – entre Betel e Ai – entre a Casa de Deus e o Monturo. É na bifurcação dessa via que devemos escolher o caminho a seguir, Betel ou Ai – a Deus ou ao diabo; Cristo ou o mundo; a vontade onibenevolente de Deus ou a nossa própria. Como disse certo pregador amigo meu, Pr. Rui Carlos, “Devemos escolher entre a Casa de Deus ou ao monte de lixo. A igreja não é um parque de diversão [...]”. É neste vale que nosso caráter é provado e nossa vontade senil encontra seus desafios.
3. Yahweh vence a cidade de Ai (vv. 18-23)De longe, os vigias da cidade observam de suas torres. Sentem em seus rostos fatigados a cintilação dos raios de sol que clareiam paulatinamente a torre de menagem. Dos altos miradouros observam aproximarem-se uma horda anteriormente vencida. Tocam a buzina. Emitem o sinal de alerta. Homens, lanças, couraças e corações marcham em direção à batalha (v.14). Israel finge-se de vencido e foge (v.15). Sem reconhecer a estratégia do inimigo, o rei de Ai e todo o seu exército são ludibriados por Israel. No ardor da batalha, o capitão de Israel pára. Ouve um sussurro a cortar a infantaria adversária, dizendo-lhe: “Josué, estende a lança que tens na tua mão, para Ai, porque a darei na tua mão” (v.18). Imediatamente Josué obedece. Ergue suas mãos calejadas de tanto apertar firmemente sua arma. Só que agora não é necessário força. Não é preciso movê-la em direção ao inimigo. É preciso sagrá-la a Deus, como sinal de que a vitória é do Senhor.
Dominus vobiscum
Postado por
Esdras Costa Bentho