Ansiedade: uma visão teológica
Vincent van Gogh
Introdução
Embora a ansiedade seja um sentimento próprio e comum ao homem, Deus não o criou para viver ansioso. O Senhor o fez perfeito, justo e bom. Criado à imagem de Deus, o homem desfrutava de completa harmonia orgânica, mental, espiritual e sentimental. Ele era completo. A natureza do homem refletia à imagem moral e natural do Senhor. A imagem moral diz respeito aos atributos morais (amor, justiça, verdade, bondade, etc), enquanto a natural aos atributos da personalidade e natureza humana (livre-arbítrio, razão, emoção, etc). O equilíbrio entre a imagem moral e natural era a razão da felicidade, saúde, paz e quietude humana. Nem mesmo as obrigações do homem no jardim do Éden ("lavrar" e "guardar") roubavam-lhe a serenidade, pois tudo estava em completa harmonia e integridade. Porém, com a Queda, as imagens natural e moral sofreram profundas mudanças, decorrentes da desobediência do primeiro casal. A harmonia entre espírito, alma e corpo foi terrivelmente afetada. Os desejos do homem opuseram-se à sua vontade. O conflito se estabeleceu; o pecado dominou; e o homem passaria a comer "no suor do teu rosto" (Gn 3.19). Por conseguinte, a ansiedade e os cuidados com a vida humana tornaram-se parceiras indissociáveis do labor humano. A aflição, angústia, e fobia acompanharam, desde então, as realizações humanas. Ainda hoje a natureza humana é estigmatizada por esses dolorosos sentimentos.
Definição
A ansiedade é um estado emocional mórbido, doloroso, marcado por inquietude, medo e perturbação do sistema nervoso central. É um mal-estar físico e psíquico que aflige e afeta as emoções humanas provocando inquietude, preocupação, algumas vezes, indevida. A ansiedade manifesta-se diante de várias situações, entre elas: de um perigo real ou presumido; expectativa; entrevista de emprego; grandes decisões; sentimento de incapacidade, entre outras. Vejamos dois tipos básicos de ansiedade: natural e crônica.
a) Ansiedade natural: Este tipo de ansiedade está intrinsecamente relacionado à natureza humana. Certo grau de ansiedade ajuda o indivíduo a se preparar para certos desafios. Essa ansiedade se caracteriza por um sentimento positivo de preocupação advindo das prementes responsabilidades do indivíduo.
b) Ansiedade crônica: Esta forma de ansiedade é doentia, crônica e responsável pelo mal-estar físico e psíquico do indivíduo. Apresenta diversas reações orgânicas, como a sudorese, fadiga, cefaléia, taquicardia, nervosismo. Como doença emocional, manifesta-se: a fobia, a insônia, o estresse, a confusão mental, a inquietude, entre outros. Mesmo na vida teologal, a ansiedade crônica é um estorvo, pois os sintomas emocionais e físicos, de uma forma ou de outra, afetam a vida espiritual do crente. Entre os sintomas teologais, podemos destacar: dificuldade de meditar na Palavra de Deus, fruto da inquietude; fé vacilante, etc.
Visão Teológica da Ansiedade
Como afirmamos na introdução, Deus criou o homem perfeito. A ansiedade crônica, teologicamente considerada, é fruto do pecado. A desobediência dos nossos primeiros pais afetou a harmonia entre espírito, alma e corpo. A ansiedade não é uma doença do corpo, mas da alma que almeja, que sente, que ama, que teme. É a condição humana após a Queda. Algumas vezes, a ansiedade crônica é acompanhada de um grau de culpa, como por exemplo, a dos irmãos de José, em Gn 42.21. O substantivo hebraico tsar, traduzido pela ARA por "ansiedade", é usado em diversos contextos, mas em Gn 42.21, refere-se a angústia, aflição e ansiedade advindas da culpa, da consciência perturbada pelo erro, pelo pecado. Neste aspecto, temos a ansiedade como produto da culpa, do erro, do pecado. Um outro vocábulo que descreve esse tipo de doença, que agora não aparece mais como sendo do corpo ou da alma, mas do espírito, note bem "do espírito", é mōrek. Este termo aparece em Lv 26.36 no contexto em que Deus "põe sua face contra os judeus" (v.17). O vocábulo significa fraqueza, e procede de uma raiz cujo sentido é "mole", "suave" ou "macio". O castigo divino sobre o povo seria o de "amolecer-lhe" o coração diante dos inimigos de tal forma que teriam fobia do barulho de uma simples folha. A ARA traduz a palavra por "ansiedade", descrevendo o medo incontido oriundo de tal emoção. Os temos que descrevem a ansiedade na Bíblia, principalmente no Antigo Testamento, são vários: Sl 38. 9 ('ănāchâ – gemer, suspirar [ansiedade/ARA]); Pv 12.25 (de'āgâ – apreensão, cautela, medo [ansiedade/ARA]). Basta apenas conferir em uma boa concordância hebraica para encontrar outros sentidos. Um termo grego usado em Mateus 6.25, merimnaō, traduzido por "cuidadoso" (ARC) e "ansioso" (ARA), significa "estar indevidamente preocupado", "ter ansiedade", ou "estar em ansiedade desnecessária". Nos versículos 25-27, Jesus apresenta a inutilidade desta emoção, mas em 28-33 ensina a confiar na graça diária de Deus para a provisão das necessidades e cura da inútil ansiedade.
Nas ciências que estudam a psique humana é comum atribuir uma relação de afinidade e relação de causa e efeito entre a alma e o corpo, orgânico e psíquico, chamado de psicossomático (psychē [mente, alma], sōma [corpo; físico]). Esta relação já demonstrou-se incontestável. Todavia, teologicamente, a Bíblia reconhece, mas não se limita à relação entre o orgânico e o psíquico, entre a psychē e a sōma, pelo contrário, avança. No episódio de 1 Samuel 16.14-23, naturalmente, a psicologia moderna apontaria Saul como um maníaco-depressivo-criminógeno, e na verdade o era. Contudo, as causas de sua doença não são resultados apenas dos aspectos orgânicos e psíquicos, mas espirituais.
Teologicamente considerada, a doença de Saul era de origem espiritual; para usar um neologismo, não era apenas psicossomática, mas pneumatosomapsicológica (pneuma/espírito; sōma/corpo; psychē/alma). Os problemas orgânicos e psíquicos eram procedentes de "espíritos" que o atormentavam, refletindo sobre todo o ser do rei Saul. A experiência cristã tem confirmado sobejamente esta constatação.
Ansiedade: uma meditação
O melhor e mais eficaz antídoto contra a ansiedade é a confiança inabalável nas palavras de nosso Senhor Jesus. Ele ordenou: "Não vos inquieteis". A gélida lágrima e o frio soturno da desesperança se dissiparam ante o sussurro da fé de Ana (1 Sm 1.10,13,15). Enquanto orava, o Espírito a confortava: "Não vos inquieteis" (Rm 8.26). A latente dor de Ana era manifestada apenas no altar da oração, refúgio dos oprimidos e ansiosos (Ap 8.3,4). Ela perseverava diante de Deus, mesmo quando as lágrimas e os verbos lhe faltaram (Cl 4.2). O cicio melancólico foi rompido e vencido pela convicção interna de que Deus a ouvira (1 Sm 1.18,19). "Não vos inquieteis"! O mesmo Deus que socorreu e confortou a Ana é o mesmo que o toma pela mão direita e diz: "Não vos inquieteis"! (Sl 73.23).
Esdras Costa Bentho
(RJ-Brasil)
é paraibano, casado com Ana Paula, e pai de Esdras Júnior e Philipe Bentho. É pedagogo, teólogo, escritor e redator das Lições de Jovens e Adultos da CPAD.
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